Depois do Sinal #006
Um professor deve ter esperança?
Acredito que professores e professoras nunca estiveram tão exaustos como nos dias de hoje.
A docência, atualmente, tornou-se uma atividade mais complexa e desafiadora do que em qualquer outra época. Enfrentamos uma geração de alunos cada vez mais diversa, com múltiplas necessidades de aprendizagem, diferentes níveis de estímulos e expectativas variadas sobre o papel da escola em suas vidas. Essa diversidade exige dos educadores uma flexibilidade e uma capacidade de adaptação constantes, que, somadas à carga já pesada de trabalho, tornam a rotina de ensinar ainda mais exigente.
Além disso, a forma como as famílias se relacionam com as escolas também passou por transformações significativas. A antiga visão de parceria entre pais e professores, que previa um trabalho conjunto em prol do desenvolvimento dos alunos, muitas vezes tem sido substituída por uma relação mais distante, quase comercial, onde a escola é vista como prestadora de serviços e os pais, como consumidores. Essa mudança de paradigma aumenta ainda mais a pressão sobre os educadores, que se veem obrigados a atender expectativas e demandas cada vez mais elevadas, nem sempre condizentes com as reais possibilidades da prática docente.
A essa complexidade crescente, soma-se outro fator crítico: a questão da remuneração. Historicamente, os professores enfrentam salários que, na maioria das vezes, não condizem com a importância e a responsabilidade de seu trabalho. Muitos docentes são obrigados a acumular jornadas em diferentes escolas ou atividades para complementar a renda, o que impacta diretamente sua qualidade de vida e sua disposição em sala de aula. Essa realidade contribui para a desvalorização da profissão, uma vez que, além das pressões pedagógicas e emocionais, os professores ainda precisam lidar com a sensação de que seu trabalho é subestimado pela sociedade e pelos governos. A falta de uma remuneração justa não apenas desmotiva, mas reforça a ideia equivocada de que a docência é um trabalho de menor prestígio, enfraquecendo, assim, a atração de novos talentos para a carreira.
Esperança? Resignação? Resiliência?
Diante de tantas mudanças que impactam diretamente nossas vidas, frequentemente me pergunto qual deve ser a nossa postura. É cada vez mais comum observarmos colegas se dividindo em extremos: alguns, desiludidos, cogitam abandonar a educação, enquanto outros optam por uma posição de conformismo total, como se aceitar tudo fosse a única saída possível.
Refletindo sobre essa situação, lembrei-me de como a palavra "esperança" é central no pensamento de Paulo Freire. Em busca de inspiração, voltei ao seu livro Pedagogia da Esperança, no intuito de encontrar alguma luz que nos ajude a compreender e enfrentar os desafios que estamos vivendo.:
Por outro lado, sem sequer poder negar a desesperança como algo concreto e sem desconhecer as razões históricas, econômicas e sociais que a explicam, não entendo a existência humana e a necessária luta para fazê-la melhor, sem esperança e sem sonho. A esperança é necessidade ontológica; a desesperança, esperança que, perdendo o endereço, se torna distorção da necessidade ontológica. Como programa, a desesperança nos imobiliza e nos faz sucumbir no fatalismo onde não é possível juntar as forças indispensáveis ao embate recriador do mundo. Não sou esperançoso por pura teimosia mas por imperativo existencial e histórico. Não quero dizer, porém, que, porque esperançoso, atribuo à minha esperança o poder de transformar a realidade e, assim convencido, parto para o embate sem levar em consideração os dados concretos, materiais, afirmando que minha esperança basta. Minha esperança é necessária mas não é suficiente. Ela, só, não ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia. Precisamos da herança crítica, como o peixe necessita da água despoluída
Acolher a aflição de nossos camaradas tornou-se uma prática essencial nestes tempos difíceis. Ser uma presença esperançosa, que irradia apoio e cuidado para aqueles que mais necessitam, parece ser algo indispensável. É natural que, ao longo da vida, busquemos o conforto e a tranquilidade, e ninguém, em sã consciência, se propõe a transformar a existência em uma sequência de sacrifícios. No entanto, o ato de estender a mão e estar presente é, em muitos momentos, um ato de profunda resistência e amor. Como bel hooks nos ensina em Ensinar a Transgredir, a educação e o cuidado são ferramentas poderosas de transformação, tanto individual quanto coletiva, permitindo-nos transgredir os limites do egoísmo e construir algo maior em comunidade.
A academia não é o paraíso, mas o aprendizado, é um lugar onde o paraíso pode ser criado. A sala de aula com todas suas limitações continua sendo ambiente de possibilidades. Nesse campo de possibilidades, temos a oportunidade de trabalhar pela liberdade, exigir de nós e de nossos camaradas uma abertura da mente e do coração que nos permite encarar a realidade ao mesmo tempo em que, coletivamente, imaginemos esquemas para cruzar fronteiras, para transgredir. Isso é a educação como prática da liberdade"
Embora a esperança e o acolhimento sejam pilares fundamentais para sustentar nossa luta como educadores, é importante lembrar que a melhoria das condições de vida dos professores passa necessariamente por ações políticas. O avanço dessa causa exige a mobilização constante da categoria, não apenas em reivindicações por melhores salários e condições de trabalho, mas também em um esforço ininterrupto para conscientizar a sociedade sobre a importância da valorização dos educadores. A luta por uma educação digna e de qualidade, afinal, não pode ser dissociada da defesa intransigente da dignidade daqueles que a constroem diariamente.
🎼 O Som da semana
Survival é um dos álbuns mais poderosos de Bob Marley & The Wailers, lançado em 1979. Com forte cunho político e social, Marley explora temas de resistência, união africana e emancipação dos povos oprimidos, especialmente na África. Canções como "Africa Unite" e "Zimbabwe" clamam por liberdade e solidariedade, enquanto "So Much Trouble in the World" reflete as tensões globais. É uma obra-prima que combina a sonoridade envolvente do reggae com uma mensagem de luta pela justiça. Se você busca música com propósito e profundidade, Survival é uma experiência essencial.
Hoje a newsltetter fica por aqui, sem as seções habituais. Na próxima retomamos nosso formato tradicional.




Excelente! Parabéns 👏